CANUDOS REDIVIVA.

       Da obra do médico e pintor baiano, Trípoli Francisco Britto Gaudenzi.


   "...a exposição deverá recordar aos brasileiros de outras paragens o verdadeiro significado da grande epopéia sertaneja, ainda hoje, como que um milagre, capaz de tocar fundo o âmago dos nossos mais legítimos sentimentos de brasilidade."
                                        Renato Ferraz.


   "A terra agreste, o homem destemido e a luta épica mereciam um grande pintor. E tiveram. "
                                       José Calasans.


   "Fogo e água engoliram Canudos. Em 1897, as labaredas de uma República, precocemente envelhecida, tornaram cinzas o sonho sertanejo "do rio de leite e barrancas de cuscuz". A degola cega manchou de sangue e insensatez os ideais republicanos que alvoreciam com o novo século"
                                        Manoel Neto.


   "Canudos é uma tragédia humana gerada pela incompreensão e prepotência, pela iniquidade e pela intolerância. O sofrimento e o sacrifício de milhares de pessoas devem servir de exemplo e referência para a construção da consciência e sensibilidade do ser humano, principalmente quando redivivos pela grandeza de artistas como T. Gaudenzi."
                                          Juarez Paraíso.


  

   O povo oprimido do sertão afluía em massa nas estradas que levavam a Canudos.

   A brigada Girard, composta dos 22º, 24º e 38º batalhões, sofreu sério revés no local denominado Rancho do Vigário.

 O contingente militar ateiou fogo e saqueou o arraial de Uauá.

   Correra pelos sertões como que um toque de chamada. Para lá convergiram, partindo dos mais longínquos rincões, levas sucessivas de famílias inteiras...

   Desembarque de tropas no Cais das Amarras, em Salvador.

   Na retaguarda a artilharia, indefesa, foi dizimada.

   Ataque a um combôio de munição de guerra e de boca, nas vizinhanças de Canudos.

   O alferes Wanderley precipitou-se, abatido, com o cavalo, pela encosta íngreme.

   Alguns morriam agarrados aos canhões ainda fumegantes.

     Romeiros de Belo Monte.

                   Romeiros.

   Uma área extensa do terreno estava iluminada pelas colorações rubras do fogo, que espadanava. Nem os clarões das grandes queimadas era comparável a este espetáculo medonho ! 

   A artilharia bombardeou Canudos ininterruptamente.

   Romeiros de Canudos. 

   Canudos: a oração da tarde.

   Os prisioneiros eram amarrados, depois eventrados e degolados.

   A gravata vermelha, (o degolamento).

   Cães famintos em tropilha, moscardos, varejeiras e moscas em nuvens de milhares, voejavam e zumbiam sobre os corpos em decomposição...

   Nas cercanias de Umburanas, o rastro trágico das malogradas expedições.

   A faca, jeitosamente brandida, cortou a cabeça do cadáver. E a face horrenda empastada de escaras e de sânie apareceu, ainda uma vez, ante aqueles triunfadores...

   Nas enfermarias improvisadas de Alagoinhas, a falta de higiene e os mal tratos elevaram a mortalidade a taxas altíssimas.

         Delenda Canudos. 

   O cerco estava completo. A fome e a sede deveriam liquidar as últimas resistências de Canudos. No dia 30 de setembro, foram feitas dezoito tentativas para tirar água do rio, pelos sertanejos sitiados... Pela manhã, o Vasa-barris, em alguns trechos, estava túrgido de sangue.

   Em meio à forte chuvarada, com trovoadas e relâmpagos ao longe, surgia o inimigo!...de surpresa, em carga rápida, tendo à frente Pajeú, o temido chefe guerrilheiro.

   Canudos era devastada pelo querosene e pela dinamite !

   Beatinho, à frente de quase trezentas pessoas, entre mulheres, crianças e velhos inválidos rendeu-se ao exército sitiante.

   A um lado, lançados sobre o chão duro, francamente batido pelo sol, alinhavam-se os cadáveres do Ten. Cel. Tupy Caldas, do Major Queiroz e do Alferes Raposo. 

   No primeiro outeiro perdeu-se duzentos homens, no último caíram cerca de quatrocentos, em menos de dois minutos. 

   Ao anoitecer, o reconhecimento dos companheiros mortos era tarefa difícil e perigosa.

   Cinco mil oitocentos e setenta homens avançaram sobre o arraial de Canudos sitiado. Na vanguarda, mais três mil baionetas rolavam, como um caudal de ferro e chamas, pelo leito do Vasa-Barris a fora...

      O fim de Canudos . 

   Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento completo.
Expugnada palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia cinco, ao entardecer, quando caíram seus últimos defensores; eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente, cinco mil soldados !  

   Do ajuntamento miserando, partiam pedidos lamurientos de comida, de água...

   No local onde se praticava a degola e a decapitação dos mal aventurados prisioneiros, os cadáveres jaziam quase todos ressupinos, cabeças atiradas ao léu, órbitas vazias, sacados os globos oculares pela voracidade dos urubus.

   O extermínio do povo de Canudos, havia se completado.

   ... No dia seis, entretanto, se tinha dado começo ao arrasamento da população, pondo fogo ao resto que dela existia. A preocupação dos Generais era de não deixar uma parede em meio, uma viga sequer intacta. Canudos deveria sofrer castigo exemplar.

   No interior dos casebres, a luta era cruel e desigual. 

   Mulheres fugiam dos habitáculos em fogo, carregando ou arrastando crianças e velhos, feridos e mortos por terra, vestes em chamas, corpos contorcidos... Tombaram os dentilhões despregados das igrejas, desaprumaram-se as paredes, caindo por terra... Atroaram explosões fortíssimas, parecia tudo acabado !

Na vila de Queimadas, as prisioneiras sobreviventes das longas caminhadas desde Canudos eram transportadas em vagões de carga, para as prisões em Alagoinhas. 


" O heroísmo tem nos sertões, para todo o sempre perdidas, tragédias espantosas..."
                  Euclydes da Cunha.