sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O ÚLTIMO CANTO.

           Um bem-te-vi solitário, quebra o silêncio da caatinga com um canto rascante e intermitente,como se o fizesse pela última vez,...
      Outro vivente de barbas longas e chifres retorcidos caminha lento entre cardos secos como um fantasma. Pequeno séquito de fêmeas magérrimas o acompanham. Algumas,de tão fracas,talvez não retornem à malhada.
    O Sol é inclemente.Sem nuvens, o céu é de um azul profundo. Um vento acre e forte sibila como música e açoita a melancólica paisagem.
    Os redemoinhos são frequentes e vão ziguezagueando numa coreografia fantástica.
    Uma juriti extraviada do bando, numa fuga de desespero,morre em pleno voo de liberdade. Outras aves,como o cancão,  a fogo-pagou, e o galo de campina, encantaram-se.
    No meio da vastidão desértica, um casebre miserável, de portas abertas e paredes em ruínas, está vazio. Seus moradores também migraram. Uma pergunta pungente escapa aos lábios do viajor perplexo: para onde, meu Deus?! As cruzes de braços abertos estão por toda parte. É impossível saber. Um cenário de Dante Alighieri infunde medo. 
    Todos fugiram ou morreram. Apenas o Bode, mitológico e lendário, permanece como um Sísifo, encarnando o espírito da força e da resistência nordestina.
    A tragédia não é apenas física ou geográfica. É essencialmente de ordem moral.
     O poder encontra-se em estado de letargia. O príncipe, tão velho quanto a República, negocia cargos públicos e distribui sinecuras em lautos banquetes, pagos pelo erário. A roda é divertida! A comida farta e bebida fácil alegram ainda mais a farândola. A farsa seria digna de Molière e de Shakespeare, não fosse a canastrice de seus atores.
     Aumenta a procissão dos penitentes, cresce o número de romeiros. A Meca é Canindé e Juazeiro. A esperança é São Francisco e Pe. Cícero Romão Batista.
   Um bem-te-vi solitário canta na Caatinga !!!

Da obra de Tarciso Prado, ator, autor,escritor, diretor de teatro e,... Criador de Cabras nas caatingas do Piauí.
           Luiz do Berro.
                      O Mensageiro das Caatingas.

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